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Law and Violence

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Essas duas violências, sublinha Benjamin, se encontram numa instituição do Estado moderno: a polícia. É aí que está o que nos interessa: a articulação contemporânea entre direito e violência. Foucault (1988 [2001]) também ressaltava que a polícia era uma instituição recente. Para ele, a polícia moderna testemunha uma mudança histórica das relações entre o poder e os indivíduos. "A sociedade e os homens enquanto seres sociais, indivíduos bem plantados em suas relações sociais: este é, de agora em diante, o verdadeiro objeto da polícia." Para Foucault, essa emergência da polícia coincide com o momento em que "o governo começa a se ocupar dos indivíduos, certamente em função de seu estatuto jurídico, mas também enquanto homens, seres vivos que trabalham e comerciam". Mais ainda, ocupa-se também da emergência de um novo estatuto do ser vivo fundado sobre a ciência. Realmente, Foucault colocava esta inflexão no aparecimento dos primeiros grandes programas de higiene das populações. Assim, o Estado vela sobre os homens enquanto população, "sua política é, em vista disso, necessariamente uma biopolítica".
<blockquote>Para os autores dos séculos XVII e XVIII, polícia não significava necessariamente uma instituição e sim uma técnica de governo própria do Estado. A polícia como instituição do Estado moderno já foi levantada por Benjamin. Para ele, o caráter de autoridade da polícia é ignóbil. Sua ignomínia consiste na ausência de separação entre duas violências, a que funda o direito e a que deve mantê-lo. De fato, a polícia intervém em casos em que a situação jurídica não está clara. Ela não mantém, portanto, simplesmente o direito que está escrito, ela se torna, por sua própria ação, fundadora do direito. De resto, ele frisa que o espírito policial causa menos estragos quando, na monarquia absoluta, "a polícia representa a violência do soberano" que reúne os poderes legislativo e executivo. Esta união, em nome de uma instância transcendente que vai além do soberano, mas que o fundamenta, também gera confusão, recobrindo direito e ação e suturando qualquer ausência de sentido.</blockquote>
A latência da violência permite a instituição jurídica. Benjamin toma o exemplo dos modos de eliminação dos conflitos sem violência. Esses existem, diz, não nas relações homem a homem mas quando as relações são objeto de uma mediação. Para ele, o diálogo é a técnica de um acordo civil, o simbólico possui uma vertente pacificadora, por assim dizer. E para ele, a exclusão de toda a violência na esfera privada pode-se ler na impunidade da mentira. Esta área é a do "entendimento próprio da linguagem". E quando o direito legifera na esfera privada, enfraquece. Assim, quando proíbe a mentira, limita o emprego de meios não violentos. Essas disposições jurídicas produzem, ao contrário, efeitos violentos, quer dizer, neste caso, o direito perde confiança em sua própria violência. Essas observações são absolutamente atuais: legiferando sobre esse ponto esvazia-se uma certa dimensão da palavra na sua relação com a verdade. Esta mentira que Lacan designa como realmente simbólica, quer dizer como o simbólico incluído no real, aquilo que se deve ouvir sobre o pano de fundo da proton pseudos histérica, ressaltada por Freud, essa primeira mentira que é recalcamento (LACAN, Le Séminaire Livre XXIV, inédito).
Benjamin termina com essa fórmula: "A violência divina, que é insígnia e sinal, mas nunca meio de execução sagrada, pode ser chamada de soberana." No comentário que faz sobre esse texto, Derrida liga a violência mítica como referida à cultura grega e a violência divina, ao judaísmo. Derrida interpreta essa oposição de Benjamin como uma oposição da história ao mito.
<blockquote>"Para esquematizar, haveria duas violências, dois Gewalten concorrentes: de um lado, a decisão (justa, histórica, política, etc.), a justiça que fica além do direito e do Estado, mas sem conhecimento decidível;4 do outro, haveria conhecimento decidível e certeza num domínio que permanece estruturalmente aquele do indecidível, do direito mítico e do Estado. De um lado a decisão sem certeza decidível, do outro, a certeza do indecidível, mas sem decisão" (DERRIDA, 1994).</blockquote>
Lacan também faz distinção entre as tradições grega e judaica e, mais precisamente, entre o Deus dos filósofos e o Deus do monoteísmo. O Deus dos filósofos é o Outro da estrutura original, aquele que é um. É o Deus do mito. O Deus do monoteísmo não é um, não diz que é o único Deus. Os outros deuses não são negados, apenas estão em outro lugar que não é o dele. Ele é apenas o Deus que fala e que diz: "Eu sou o que sou." Introduz a dimensão da revelação, "da palavra como portadora de verdade" e a distinção fundamental entre verdade e saber, pois "no outro lugar o lugar da verdade encontra-se ocupado (...) pelos mitos" (LACAN, 1968/1969). Esta enunciação faz furo, que não desaparece.
Além disso, insiste Benjamin, o que Jünger e seus amigos não compreendem é que a batalha material, sobre a qual se põem de acordo, mas também essa guerra eterna, que eles tentam reencontrar e que seria a mais alta expressão da nação alemã, já foi perdida. Isto é especificamente alemão porque foram os alemães que a perderam e ganhar ou perder uma guerra tem um duplo sentido. Com certeza, significa sair da guerra mas é também alguma coisa, escreve, que cava um vazio e afeta a realidade. "A guerra fica nas mãos do vencedor, escapa ao vencido"; o que significa que "o vencedor dela se apropria, faz dela um bem, o vencido perde sua posse, deve viver sem ela." Acrescenta que seria necessário que o vencido quisesse "se representar nem que fosse por um instante aquilo que havia perdido, em vez de agarrar-se a ele convulsivamente". Para a Alemanha, toda a dimensão da relação à questão tão crucial da natureza ficou perturbada por esta guerra de um tipo novo. E era isto a que deveria ter sido capaz de agarrar-se.
<blockquote>"Digamos em toda a sua amargura: frente a uma paisagem entregue à mobilização total, o sentimento alemão da natureza tomou um impulso inesperado. Os gênios da paz que aí estavam voluptuosamente instalados tinham sido evacuados e até onde o olhar poderia ir por detrás das trincheiras, todo o terreno em volta oferecia a própria face do idealismo alemão, cada pino de granada era um problema, cada emaranhado de arame farpado, uma antinomia, cada ponta de ferro, uma definição, cada explosão uma posição de princípio, e o céu era, durante o dia, o interior cósmico do capacete de aço, de noite, a lei moral acima de você. A técnica, com as linhas de fogo e as redes de trincheiras, quis reproduzir os traços heróicos do idealismo alemão. Havia-se extraviado. Pois os traços que acreditava heróicos eram de fato hipocráticos, eram os traços da morte. Penetrada em profundidade por sua própria abjeção, a técnica modelou o rosto apocalíptico da natureza, reduziu-a ao silêncio quando era ela precisamente a força que teria podido fazer aceder a natureza à linguagem. A guerra, esta guerra metafísica e abstrata reclamada pelo novo nacionalismo, nada mais é que uma tentativa de fazer da técnica a chave mística que permite resolver imediatamente o mistério de uma natureza compreendida no modo idealista, em vez de utilizar e esclarecer o mistério pelo desvio de uma organização humana."</blockquote>
Esta guerra que não é mais a guerra eterna dos novos nacionalistas nem a última dos pacifistas, mas, concluiu Benjamin,
<blockquote>"a única, a terrível e última chance que nós temos de corrigir a incapacidade dos povos de pôr ordem em suas relações mútuas, em conformidade com a relação que instauram, por meio da técnica, com a natureza. Se essa correção falhar, milhões de corpos humanos serão certamente picados e devorados pelo gás e pelo aço."</blockquote>
Pois a técnica não é necessariamente "um fetiche do declínio mas [talvez] uma chave para a felicidade". Assim, a técnica não é unívoca, o que aliena pode liberar. É preciso recusar à guerra sua magia, se não o retorno da aura, conjugado com a técnica, produzirá o fascismo. Nesta perspectiva, o chefe, o dirigente, o Führer não será aquele soberano em quem se "uniam os plenos poderes legislativos e executivos", este Um, de direito divino, inscrito simbolicamente, mas sim um qualquer, semelhante e reprodutível, provido de uma aura ela também reprodutível, aleatória, que as técnicas da comunicação criarão.
A questão que a psicanálise levanta talvez seja a de que o saber sobre esta perda pode dar lugar a essa dimensão que foi a do sagrado, desta vez um sagrado laico, pode dar lugar a alguma coisa da qual nos separamos sabendo, querendo, a fim de manter a possibilidade da separação. Sem esse sacrifício de cada um, arriscamo-nos então, coletivamente, a ter de "fazer sacrifícios aos deuses obscuros".
REFERÊNCIAS
Root Admin, Bots, Bureaucrats, flow-bot, oversight, Administrators, Widget editors
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