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Essas duas violências, sublinha Benjamin, se encontram numa instituição do Estado moderno: a polícia. É aí que está o que nos interessa: a articulação contemporânea entre direito e violência. Foucault (1988 [2001]) também ressaltava que a polícia era uma instituição recente. Para ele, a polícia moderna testemunha uma mudança histórica das relações entre o poder e os indivíduos. "A sociedade e os homens enquanto seres sociais, indivíduos bem plantados em suas relações sociais: este é, de agora em diante, o verdadeiro objeto da polícia." Para Foucault, essa emergência da polícia coincide com o momento em que "o governo começa a se ocupar dos indivíduos, certamente em função de seu estatuto jurídico, mas também enquanto homens, seres vivos que trabalham e comerciam". Mais ainda, ocupa-se também da emergência de um novo estatuto do ser vivo fundado sobre a ciência. Realmente, Foucault colocava esta inflexão no aparecimento dos primeiros grandes programas de higiene das populações. Assim, o Estado vela sobre os homens enquanto população, "sua política é, em vista disso, necessariamente uma biopolítica".
A latência da violência permite a instituição jurídica. Benjamin toma o exemplo dos modos de eliminação dos conflitos sem violência. Esses existem, diz, não nas relações homem a homem mas quando as relações são objeto de uma mediação. Para ele, o diálogo é a técnica de um acordo civil, o simbólico possui uma vertente pacificadora, por assim dizer. E para ele, a exclusão de toda a violência na esfera privada pode-se ler na impunidade da mentira. Esta área é a do "entendimento próprio da linguagem". E quando o direito legifera na esfera privada, enfraquece. Assim, quando proíbe a mentira, limita o emprego de meios não violentos. Essas disposições jurídicas produzem, ao contrário, efeitos violentos, quer dizer, neste caso, o direito perde confiança em sua própria violência. Essas observações são absolutamente atuais: legiferando sobre esse ponto esvazia-se uma certa dimensão da palavra na sua relação com a verdade. Esta mentira que Lacan designa como realmente simbólica, quer dizer como o simbólico incluído no real, aquilo que se deve ouvir sobre o pano de fundo da proton pseudos histérica, ressaltada por Freud, essa primeira mentira que é recalcamento (LACAN, Le Séminaire Livre XXIV, inédito).
Benjamin termina com essa fórmula: "A violência divina, que é insígnia e sinal, mas nunca meio de execução sagrada, pode ser chamada de soberana." No comentário que faz sobre esse texto, Derrida liga a violência mítica como referida à cultura grega e a violência divina, ao judaísmo. Derrida interpreta essa oposição de Benjamin como uma oposição da história ao mito.
Lacan também faz distinção entre as tradições grega e judaica e, mais precisamente, entre o Deus dos filósofos e o Deus do monoteísmo. O Deus dos filósofos é o Outro da estrutura original, aquele que é um. É o Deus do mito. O Deus do monoteísmo não é um, não diz que é o único Deus. Os outros deuses não são negados, apenas estão em outro lugar que não é o dele. Ele é apenas o Deus que fala e que diz: "Eu sou o que sou." Introduz a dimensão da revelação, "da palavra como portadora de verdade" e a distinção fundamental entre verdade e saber, pois "no outro lugar o lugar da verdade encontra-se ocupado (...) pelos mitos" (LACAN, 1968/1969). Esta enunciação faz furo, que não desaparece.
Além disso, insiste Benjamin, o que Jünger e seus amigos não compreendem é que a batalha material, sobre a qual se põem de acordo, mas também essa guerra eterna, que eles tentam reencontrar e que seria a mais alta expressão da nação alemã, já foi perdida. Isto é especificamente alemão porque foram os alemães que a perderam e ganhar ou perder uma guerra tem um duplo sentido. Com certeza, significa sair da guerra mas é também alguma coisa, escreve, que cava um vazio e afeta a realidade. "A guerra fica nas mãos do vencedor, escapa ao vencido"; o que significa que "o vencedor dela se apropria, faz dela um bem, o vencido perde sua posse, deve viver sem ela." Acrescenta que seria necessário que o vencido quisesse "se representar nem que fosse por um instante aquilo que havia perdido, em vez de agarrar-se a ele convulsivamente". Para a Alemanha, toda a dimensão da relação à questão tão crucial da natureza ficou perturbada por esta guerra de um tipo novo. E era isto a que deveria ter sido capaz de agarrar-se.
Esta guerra que não é mais a guerra eterna dos novos nacionalistas nem a última dos pacifistas, mas, concluiu Benjamin,
Pois a técnica não é necessariamente "um fetiche do declínio mas [talvez] uma chave para a felicidade". Assim, a técnica não é unívoca, o que aliena pode liberar. É preciso recusar à guerra sua magia, se não o retorno da aura, conjugado com a técnica, produzirá o fascismo. Nesta perspectiva, o chefe, o dirigente, o Führer não será aquele soberano em quem se "uniam os plenos poderes legislativos e executivos", este Um, de direito divino, inscrito simbolicamente, mas sim um qualquer, semelhante e reprodutível, provido de uma aura ela também reprodutível, aleatória, que as técnicas da comunicação criarão.
A questão que a psicanálise levanta talvez seja a de que o saber sobre esta perda pode dar lugar a essa dimensão que foi a do sagrado, desta vez um sagrado laico, pode dar lugar a alguma coisa da qual nos separamos sabendo, querendo, a fim de manter a possibilidade da separação. Sem esse sacrifício de cada um, arriscamo-nos então, coletivamente, a ter de "fazer sacrifícios aos deuses obscuros".
REFERÊNCIAS